São coisas da natureza, para uns comerem, outros são o alimento.
Como o ninho original está muito exposto, decidimos colocar um abrigo numa posição mais segura, numa orientação menos acessível a felinos gulosos.
A "casinha dos pássaros", instalada no início da primavera, ainda nem havia folhas na árvore, está já semi-oculta agora, que a folhagem já está bem espessa.
Resta esperar para saber se os nossos inquilinos voadores estarão interessados em regressar, e em se instalar no seu novo domicílio... tive muita pena quando encontrei o cenário catastrófico e me deparei com a morte das criaturinhas indefesas...
Temos de nos conformar de que há coisas que não podemos
salvar.
Como um pássaro que caiu na chaminé. Arranquei
o cano de ferro e a placa da lareira, mas não consegui chegar a ele, nem ele a
mim. Piou, primeiro em desespero, depois cada vez mais resignado, até que o
pio se fez mais fino e acabou por se calar. No fim cantava-lhe, suavemente,
para o adormecer, uma cantiga que lhe inventei, para me dizer a mim também que
a morte é só um adormecimento inevitável, e que há-de vir a todas as aves, até
à da minha alma. Espero que ele voe agora livremente em torno da casa, em
espírito. Pelo menos imagino, para não imaginar só os seus ossinhos frágeis a
decomporem-se lá dentro das paredes, onde vão ser defumados quando eu acender o
lume, no inverno.
Inventarei um deus que o guarde, e um céu que o acolha, para
não ter pesadelos nas noites escuras de tempestade, quando me lembrar dele
enquanto a aquecer-me à lareira.
Uma vez o Artur salvou um pássaro que caiu no respiradouro
da casa de banho, abriu a caixa de metal e ele saiu, espavorido (tivemos de
fechar os gatos para o não caçarem) e eu tive-o nas mãos, o coraçãozinho a
correr a mil à hora (os deles são sempre assim, eu sei, mas acho que estava a
mil e cem, então), que nem levantou logo voo quando abri as palmas na varanda
em frente ao mundo. Acho que ele contemplou tudo uns instantes antes de se
decidir. Depois foi, muito depressa, e pousou, metros à frente, num galho, e
ficou-se ali.
Não sei o que pensam os pássaros, mas se pensarem, que pensem só
no futuro e se esqueçam depressa dos buracos escuros do passado, aonde moram só
os pesadelos dos homens.
É uma questão de sorte, uns salvam-se, outros não.
Não importa o que possas pensar, prevenir, tentar acautelar.
Hás-de cair nos buracos e salvar-te-ás dos que te salvares. Se escapares, voa
para longe, em direcção ao azul infinito, e não olhes para trás.